Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

A Biblioteca da Daniela

A Biblioteca da Daniela

A Batalha das Capas Onde Crescem os Limoeiros, de

 

 

Pela primeira vez, participei num clube de leitura do Bookstagram português. Tem como nome "Agora é que te leio" e foi criado pela Lara, da página zon_aliteraria. O seu clube conta com muitos livros e anfitriões divididos em grupos no WhatsApp todos os meses. Em setembro, decidi participar em dois grupos, e o de Onde Crescem os Limoeiros, de Zoulfa Katouh, foi um deles. Deste modo, decidi que esta Batalha das Capas seria dedicada a este livro!

 

Sinopse: "Uma história de amor e perda.

Um país em plena revolução. Quanto estamos dispostos a pagar por aquilo em que acreditamos?

Quando os gritos pela liberdade se começam a ouvir na Síria, Salama está a estudar Farmácia. Por esses dias, ainda tem consigo os pais e o irmão mais velho, e há até um rapaz com quem se irá encontrar para falar de casamento.

Porém, de repente, a guerra civil instala-se no país e Salama vê-se no meio de um hospital onde cada vez mais pessoas chegam a precisar de ajuda. Agora voluntária, a jovem de 18 anos sente que o seu coração está como Homs, a cidade onde nasceu: destruído. Os pais e o irmão morreram. Só lhe resta Layla, a sua cunhada grávida, que quer tanto proteger.

Sair do país parece ser a solução, mas Salama está tão ligada àquelas pessoas, à sua terra, onde, mais do que uma guerra, acontece uma revolução pela qual é preciso - e vale a pena - lutar. E Kenan, o rapaz de 19 anos que acaba de ali chegar, com os sonhos desfeitos e disposto a mostrar ao mundo o que se passa, pode ser mais uma grande razão para ­ficar. Porque a esperança é como os limoeiros em Homs: há-os em cada casa, em flor, e por mais que os tentem destruir, continuarão sempre a crescer."

 

Comecemos pela capa portuguesa, que é a mesma da edição britânica.

Ilustração: David Curtis.

 

Capa maravilhosa! Mostra não só um dos grandes aspetos do livro, que é a relação amorosa entre Salama e Kenan, mas também conta com elementos da cultura síria. Além disso, o facto de o casal estar debaixo do limoeiro faz-me pensar numa mensagem de esperança. A árvore costuma ser o símbolo da vida. Para os sírios, o limoeiro é praticamente o símbolo da vida, da esperança, da perseverança deste povo. Uma capa muito bonita e bem conseguida.

 

A capa seguinte é da edição americana.

Ilustração: Sarah Baldwin.

 

Não é muito diferente da capa anterior, mas é interessante ver as decisões de cada editora sobre como captar a atenção do seu público-alvo. A editora britânica achou por bem colocar um casal na capa, enquanto a americana não fez isso. Continua a ser uma capa lindíssima e adorei como incorporaram o título na ilustração.

 

Depois, temos a capa alemã.

Designer: Frauke Schneider

Não sendo uma capa feia, parece-me que é uma capa que poderá ficar facilmente perdida entre outras numa livraria. Mas gosto do jogo entre as cores quentes e as frias, assim como a presença das silhuetas do casal. Colocaram, ainda, pássaros, talvez simbolizando a viagem, algo que é muito falado neste livro numa perspetiva dos refugiados de guerra.

 

 

 

Depois, temos a capa da Indonésia. Não só tem um estilo muito próprio e bonito, como mantém, e bem, a essência das primeiras capas do livro. Também gosto de como faz lembrar azulejos. Pelo menos, faz-me pensar nas pinturas nos azulejos. 

 

 

A seguir, temos a capa italiana. Para mim, é a capa mais fraca e menos original. Não me diz nada sobre o livro, a não ser o facto de dar-nos a entender que tem alguma coisa a ver com uma personagem muçulmana. Mesmo assim, ainda colocaram os limoeiros. Não percebo a ideia de colocar um pequeno elemento decorativo na parte inferior da capa. Fica sem fazer grande sentido tendo em conta o caráter realista da fotografia. De qualquer forma, não é a pior capa alguma vez atribuída a um livro. Simplesmente, penso que poderiam ter feito mais e melhor.

 

 

 

E, finalmente, temos a capa da Sérvia. Não sei se gosto muito do estilo de ilustração da árvore, mas os restantes detalhes são muito bonitos. É mais uma capa que mantém a essência das primeiras, havendo, ainda, algo novo ao mesmo tempo.

 

 

E, para mim, a capa vencedora é... A capa portuguesa/britânica! Mas a capa da Indonésia ocupa, de forma esplêndida, o segundo lugar do pódio.

Quanto à que menos gostei, escolho a italiana.

 

Qual destas capas gostam mais?

 

Daniela S..png

A Batalha das Capas I'll Be The One, de Lyla Lee.p

 

 

Já não fazia uma Batalha das Capas há algum tempo e é tão bom voltar a este tipo de publicação tendo um dos meus livros favoritos como o tema da Batalha!

 

I'll Be the One, de Lyla Lee, é um romance contemporâneo YA sobre Skye Shin, uma jovem coreano-americana gorda e bissexual que participa num concurso televisivo de K-Pop, querendo quebrar as regras de que raparigas gordas não podem fazer parte de grupos de K-Pop. Depois de ter sucesso nas primeiras provas, Skye passa por imensos treinos, atuações chocantes e pelo drama típico de um reality show. No entanto, ela não contava com os padrões de beleza extremamente gordofóbicos da indústria musical coreana, a fama, o escrutínio e as borboletas na barriga causadas por Henry Cho, que também é um participante do concurso.

Apesar de tudo, Skye ainda quer ser a primeira cantora plus-size de K-Pop sem perder a competição e a si mesma.
 
 
Foi das minhas leituras favoritas de 2020, ou até mesmo a favorita. Claro que, algum dia, iria fazer uma Batalha de Capas sobre este livro! E aqui está, primeiro, a capa americana:
 
 
 
I'll Be the One
 
 
 
Eu ADORO esta capa, pois as cores são muitos alegres, correspondendo à felicidade estampada na expressão facial e na linguagem corporal da modelo. Além disso, é uma modelo gorda que vemos na capa, algo que, parecendo que não, é muito raro ainda em capas, principalmente no mundo editorial tradicional. É uma capa que me faz sorrir sempre que a vejo!
 
  • Designer: Molly Fehr
  • Art Director: Amy Ryan
  • Fotógrafo: Michael Frost
  • Editora: Katherine Tegen Books

 

Passemos para a capa coreana. Fiquei muito contente pela autora, pois ela nasceu na Coreia do Sul e gosta imenso do seu país natal, mas.... Enfim, vejam a capa:

 

난 그저 미치도록 내가 좋을 뿐 - 예스24

 

Em primeiro lugar, a protagonista simplesmente desapareceu. Nenhum destes desenhos é o de uma rapariga gorda. Em segundo lugar, o estilo funciona muito bem na Coreia do Sul e não é isso que estou a pôr em causa. Apenas acho que deveriam ter optado por outros estilos que são muito usados lá e que são muito mais bonitos. Também não me parece que seja o estilo ideal para uma história como esta. Nem as cores ganham por inteiro aqui, pois o rosa ficou tão esquisito aqui...

  • Ilustrador: Joseph Finger
  • Designers: All Contents Group
  • Editora: Bluemoose Books

 

E, por fim, temos a capa mexicana, que é muito fofa:

 

Tiempo de brillar - Lyla Lee | PlanetadeLibros

 

Dá para ver que é uma protagonista plus size e as cores são lindas e combinam muito bem! Adoro o pormenor do finger heart com outros corações à volta. Para quem não sabe, o finger heart é um gesto muito comum na Coreia do Sul.

A ilustração, no geral, é mesmo muito bonita, desde a roupa até à própria personagem. Um trabalho muito bem conseguido!

 

  • Não encontrei os criadores da capa
  • Editora: Cross Books

 

E, para mim, a capa vencedora é.... A capa da edição mexicana! Continuo a adorar a capa americana, mas capas ilustradas são as minhas favoritas e a capa mexicana é fenomenal!

 

Qual é a vossa capa favorita?

 

Daniela S..png

Os EUA têm o Young Adult para se referirem aos livros para adolescentes. Em Portugal, o conceito é outro e tem objetivos diferentes. Fala-se, então, de Literatura Juvenil.

A Literatura Juvenil em Portugal desenvolveu-se após a Revolução dos Cravos, adaptando-se ao que já acontecia na restante Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Os escritores portugueses, tal como escritores de vários países europeus, passaram a escrever sobre o multiculturalismo e o respeito para lutar contra o preconceito e o ódio que causaram a Segunda Guerra Mundial. No entanto, ainda nos anos 70, acreditava-se que, para os jovens, bastava a leitura dos clássicos, como Alexandre Herculano e Fernão Lopes, até porque as suas obras continham não só aventuras, mas também lições históricas.

Nos anos 80, a literatura juvenil ganhou forças e começaram a surgir, principalmente, narrativas realistas, as que não continham qualquer tipo de elementos sobrenaturais ou mágicos. Escritores exemplares deste tipo de narrativas são Alice Vieira, que, em 1979, publicou Rosa, minha irmã Rosa, um grande sucesso de vendas, e António Mota. Associada a estas histórias focadas num cenário realista, há a "formula fiction". Esta expressão “abrange as narrativas que seguem um padrão repetitivo, ditado por uma moda, como por exemplo os relatos de aventuras, mistérios ou namoros, entre os quais as aventuras são a forma mais popular” (Blockeel, 2006: 148-149). Os jovens adoram “formula fiction” por se sentirem seguros ao lerem estes livros. Não há surpresas, não há desapontamentos. Sabem que a história segue um determinado padrão e é previsível, na medida em que já sabem que estão a ler algo do seu agrado. Contudo, há o problema de o leitor não ser “forçado” a usar o seu pensamento crítico e tirar conclusões críticas e morais a partir de histórias que parecem semelhantes de livro para livro. Uma das coleções portuguesas que ilustra isso é a da dupla Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, Uma Aventura. Os leitores, em todos os livros, esperam seguir as aventuras de um grupo de amigos que adora desvendar mistérios e experiencia os típicos obstáculos da adolescência. Esta coleção é muito recomendada aos mais jovens também por conter várias informações históricas e dados sobre Portugal. São livros escritos por professoras de Língua Portuguesa e de História e, quando os pais sabem disso, não hesitam em comprar estes livros para os filhos.

 

Uma Aventura (TV Series 2000–2007) - IMDbAté os canais televisivos nacionais costumavam estar atentos aos sucessos literários juvenis. A coleção Uma Aventura foi adaptada como série pela SIC, tendo durado sete anos (2000-2007).
Fonte da imagem.

 

Seguindo o ramo realista, nos anos 90, as editoras começam a publicar "chick lit", livros praticamente escritos para raparigas e que se concentram em temas considerados femininos, como namoros, compras, a beleza física, entre outros. Estes livros são vistos de forma negativa por terem maus ensinamentos para as raparigas, como a competição quase animalesca entre duas raparigas por causa de um rapaz, a dependência que a rapariga sente por um rapaz e a ideia de que o “final feliz” só é possível se a rapariga, no final, se casar com o “homem ideal”. É muito criticado por feministas e perpetua a ideia de que a felicidade da mulher reside apenas em encontrar o “príncipe perfeito”. Além disso, no "chick lit", é muito comum as protagonistas não serem dependentes, não terem capacidade de pensar para além da relação e de darem muita importância à inveja, à mesquinhez e à vingança. São vistos como um retrocesso nas lutas feministas.

Depois do aparecimento de tantos livros realistas, o público jovem português passou a ansiar por livros de caráter fantástico. O sucesso de coleções de Fantasia estrangeiras deram origem a livros portugueses sobre vampiros, livros fantásticos inspirados na Idade Média, mitos, mistérios, magia, etc. Também começaram a escrever livros de Ficção Científica, principalmente com cenários como o espaço, outros planetas e mundos paralelos. Autores portugueses como Luísa Fontes da Cunha (As Aventuras de Teodora) perceberam que a Fantasia era um bom meio de explorar os processos de amadurecimento das personagens através de aventuras e perigos proporcionados por cenários fantásticos, bem como a dualidade do Bem e do Mal.

 

Após uma breve explicação do que é a literatura juvenil portuguesa, pode-se dizer que há semelhanças quanto ao YA. Por exemplo, também em Portugal, a literatura juvenil “[…] é vista pela academia como “menor” ou “inferior” à produzida para adultos. Isso, devido há anos, ser associada à ideia de ensino, atrelada ao pedagógico e ao utilitário, comprometendo a uma produção de qualidade” (Matsuda, 2018: 19). O YA e a literatura juvenil partilham as mesmas responsabilidades, como educar os jovens em relação ao respeito pela diferença, fazer com que o jovem perceba que é um indivíduo que faz parte da sociedade e fazê-lo ver como a literatura tem benefícios. Nos dois países, acredita-se que a literatura para os mais jovens é capaz de desenvolver o pensamento crítico do público-alvo e de os ajudar a tornarem-se nos adultos do amanhã, capazes de serem melhores do que os adultos de hoje. Um outro aspeto em comum é a criação de chancelas ou de listas focadas na literatura para jovens adultos. Nos EUA, há chancelas como TorTeen (Macmillan), Hot Key Books (Bonnier Publishing) e Littel, Brown and Company Teen (Hatchett Book Group). Em Portugal, nos sites das editoras, já aparece, nas listas, a nomenclatura Young Adult. Também temos o caso da Topseller#Bliss, por exemplo. Não sendo uma chancela, é uma lista especial feita pela Topseller, que é a chancela da 20|20 Editora. Todos os livros YA que publicam, em vez de terem o símbolo da chancela, têm o símbolo da Topseller#Bliss, como se pode ver nas capas dos livros. Também todos os livros têm um texto inicial que explica o propósito desse título. Têm frases como “Topseller#Bliss é para ti, porque és jovem, irreverente, apaixonado e apaixonante!”. A Topseller também tem um grande contacto com leitores jovens através das redes sociais (principalmente no Instagram). Recentemente, a Cultura Editora anunciou a criação de uma nova chancela, a Desrotina Editora. Perante as sugestões de imensos jovens leitores portugueses relativamente a mudanças necessárias dentro do mercado editorial português quanto à representatividade e diversidade, a editora criou uma chancela que irá focar-se na literatura YA e NA (New Adult). A chancela já está a mostrar o que pretende fazer e como pretende fazer. Há uns dias, divulgou o título da primeira obra do seu catálogo, Ace of Spades. Essa divulgação foi feita tendo como base uma grande estratégia de marketing que já fez os leitores acreditarem no potencial desta nova chancela. Isto prova que, aos poucos, o mercado editorial português está a seguir a pisadas dos EUA, bem como os desejos do seu próprio público.

 

Nenhuma descrição de foto disponível.Logótipo da nova chancela da Cultura Editora, Desrotina Editora.
Fonte da imagem.

 

No entanto, há mais diferenças do que semelhanças. A literatura juvenil não tem limites de idade tão definidos como o YA. Apesar de o YA também ter problemas nesse sentido, em Portugal, mistura-se erradamente a literatura juvenil com a literatura infantil, levando ao termo “literatura infantojuvenil”. Os EUA têm uma palavra para designar esse tipo de livros, isto é, para as crianças quase a chegar à fase da adolescência, que é o "Middle Grade" (MG), livros escritos para os estudantes do 5.º ao 6.º ou 7.º ano escolar. Pensa-se que essa união que é feita em Portugal leva a um preconceito quanto aos livros escritos para os adolescentes. Uma outra diferença é o modo como veem quem não corresponde ao padrão branco, cis, heterossexual, etc.. Em Portugal, as pessoas que não são O padrão aparecem como personagens que, muitas vezes, existem apenas para darem lições de moral ou partilhar informações acerca de culturas e povos diferentes. Fala-se muito na existência positiva de personagens diferentes relativamente à raça, à cor da pele, à condição física e/ou mental, entre outras características diferenciais. No entanto, elas quase não têm personalidades propriamente ditas e não são tão desenvolvidas como as personagens principais, que, quase sempre, são brancas e de nacionalidade portuguesa. Já nos EUA, a personagem negra já não serve apenas como personagem secundária que ajuda o amigo branco, podendo também ser o protagonista. A pessoa muçulmana já não aparece tanto como o terrorista. A pessoa asiática deixa de ser considerada “exótica”, se bem que este adjetivo ainda aparece muitas vezes associado à Ásia. Além disso, em Portugal, quando os livros juvenis são sobre a História portuguesa, não se fala muito acerca das consequências negativas das ações dos portugueses noutros países, falando-se apenas dos momentos gloriosos. Já nos EUA, artistas marginalizados usam a literatura para falarem das suas experiências como pessoas oprimidas, não só na atualidade, mas também em séculos anteriores, e não suavizam as ações dos seus opressores. Também mostram que, mesmo sendo oprimidos, tiveram momentos notáveis.

 

 

Fonte da imagem.

 

Em suma, a literatura juvenil portuguesa teve um percurso muito parecido com o Young Adult americano. Ambas as categorias visam educar o jovem e fazê-lo sentir-se refletido na literatura. No entanto, há muitas diferenças mesmo quanto aos objetivos que partilham e, de certo modo, elas fazem com que o público português prefira consumir os livros YA estrangeiros e não tanto os livros juvenis portugueses. O investimento em livros YA dos EUA por parte das editoras portuguesas deveria ser uma luz verde para as editoras fazerem o mesmo com os autores portugueses que escrevem para os jovens adultos. Está na altura de Portugal começar a apostar mais no que é seu e levar a literatura juvenil para um patamar mais semelhante ao do YA.

 

O que acham deste quarto capítulo sobre Young Adult?
 
Links dos capítulos anteriores:
 
Primeiro capítulo;
Segundo capítulo;
Terceiro capítulo.
 
 
 
 
 
 
“Three genres (MG, YA SFF & YA Romance) are becoming hubs for diverse books for younger readers, writes Rachel Werner for the We Need Diverse Books blog.”
Fonte.
 
 
Na comunidade americana de escritores de YA, principalmente se seguirmos esses escritores nas redes sociais, vemos, constantemente, conversas sobre a importância da representatividade na arte. Por muitos anos, a norma era (e, enfim, ainda é, de certa forma) a pessoa branca, mais propriamente o homem branco. A área dos estudos literários estava repleta de homens brancos. As editoras praticamente pertenciam a homens brancos ou lá trabalhavam quase apenas homens brancos. Publicava-se quase apenas homens brancos. As mulheres brancas também tinham problemas em serem representadas apenas por serem mulheres, mas não nos podemos esquecer que as pessoas pertencentes a minorias raciais, religiosas e sexuais são as que mais sofriam e sofrem. Uma pessoa negra mais dificilmente publica um livro. Uma pessoa homossexual mais dificilmente se vê corretamente representado num livro. Uma pessoa muçulmana praticamente só vê estereótipos relacionados com o terrorismo e o extremismo religioso. Num país tão diversificado quanto os EUA, mas também racista, xenófobo, homofóbico, misógino, os artistas sentem que devem atuar. Por isso, têm essas mesmas conversas sobre a diversidade nas redes sociais e praticam o que dizem e ensinam na sua arte.
 
 
 
Picture This: Diversity in Children's Books 2018 Infographic – Sarah Park  Dahlen, Ph.D.
Infográfico de 2018 sobre a diversidade nos livros infantis em 2018.
Fonte.
 
 
 
Um dos ensaios mais conhecidos e respeitados sobre este tema é o “Mirrors, Windows, and Sliding Glass Doors”, da Dr.ª Rudine Sims Bishop. Publicado em 1990, o objetivo deste ensaio era mostrar a importância dos livros diversificados para leitores jovens, livros que refletissem a natureza multicultural do mundo onde eles vivem. A autora acrescenta que os jovens deveriam ver-se nos livros e que deveriam aprender como são as vidas dos outros através da leitura. O seguinte parágrafo, que é o primeiro do ensaio, é o mais lembrado e, de facto, é um excelente resumo daquilo que a literatura precisa ser hoje em dia: 
 
“Books are sometimes windows, offering views of worlds that may be real or imagined, familiar or strange. These windows are also sliding glass doors, and readers have only to walk through in imagination to become part of whatever world has been created or recreated by the author. When lighting conditions are just right, however, a window can also be a mirror. Literature transforms human experience and reflects it back to us, and in that reflection we can see our own lives and experiences as part of the larger human experience. Reading, then, becomes a means of self-affirmation, and readers often seek their mirrors in books.” (Bishop, 2015: 1)
 
Bishop desenvolve e fala acerca das crianças não-brancas, que, durante anos, tentaram encontrar livros sobre as suas experiências. Queriam, na realidade, o que os leitores brancos tinham: espelhos de si mesmos. Ao não se verem em lado nenhum, ou ao verem imagens negativas e estereotipadas delas próprias, essas crianças interiorizavam a ideia de que a sociedade não quer saber delas ou que não têm nenhum valor como indivíduos integrados num grupo onde a norma é a pessoa branca. É também mau para os leitores brancos não verem o quão diversificado o mundo é. Livros que representam outros costumes e vivências são importantes para que a pessoa branca entenda que vive num mundo multicultural e que deve formar ligações com todos e respeitar toda a gente. Apesar de predominarem na literatura por estarem fortemente presentes nela, os leitores brancos perdem ao não lerem histórias sobre pessoas negras, latinas e asiáticas. As pessoas heterossexuais poderiam aprender imenso com livros cujos protagonistas são pessoas da comunidade LGBTQIA+. Ainda assim, as duas grandes funções da literatura são "educare" e "delectare", ou seja, ensinar e dar prazer. Estas histórias também podem ser fonte de prazer para os que são considerados leitores pertencentes à norma. Não nos podemos esquecer que, sim, há um grande sentido pedagógico nos livros cujas personagens e vivências não seguem o status quo. Contudo, estes livros não são manuais escolares. São também arte, entretenimento e talento.
 
Nos últimos parágrafos, Bishop adota um tom realista, dizendo que muitos escritores de literatura infantil idealizam o livro como aquele que irá mudar radicalmente a vida de uma criança. Ela acredita nesse tipo de poder, mas é importante lembrar que a literatura “no matter how powerful, has its limits. […] it won’t stop people from attacking each other because of our racial diferences; it won’t stamp out the scourge of drugs. It could, however, help us understand each other better […]” (Bishop, 2015, 2). Não se pode esquecer que, no fim, o poder da decisão, a vontade de se ser melhor está nas mãos das pessoas e da sociedade. A culpa não será do livro se ele não conseguiu mostrar o mundo e como todos devem respeitar as diferenças. O importante é reconhecer que é possível usar o livro como o utensílio para a construção de um mundo melhor.
 
 
 
Image
A Dr.ª Rudine Sims Bishop recebeu o ALSC Children's Literature Lecture Award no ano passado.
Fonte.
 
 
Tendo esta perspetiva em mente, nos EUA, foram criadas organizações que lutam pela representatividade na literatura YA. É o caso da We Need Diverse Books. Esta organização não governamental pretende levar até às crianças e aos jovens livros com uma grande diversidade de personagens. Têm como objetivo realizar mudanças na indústria editorial para que possam produzir e promover livros que refletem e honram as vidas de todos os jovens. Lutam por livros sobre a comunidade LGBTQIA+, pessoas nativas, pessoas não-brancas, diversidade de género, pessoas com deficiências (quer físicas, quer mentais, como a depressão, a ansiedade, etc.) e minorias étnicas, religiosas e culturais. A ideia do We Need Diverse Books começou com uma hashtag criada durante uma conversa sobre diversidade entre Ellen Oh, a co-fundadora, presidente e CEO de WNDB, e Malinda Lo. Ao usarem a hashtag #WeNeedDiverseBooks, partilharam, no Twitter, a sua frustração quanto à falta de diversidade na literatura infantil e YA depois de verem uma conferência literária onde os convidados eram somente homens brancos. Nas redes sociais, afirmaram o mesmo que Bishop escreveu no seu ensaio. Disseram que as crianças que fazem parte das minorias, ao não encontrarem livros sobre elas próprias, iriam crescer com uma baixa autoestima e sem darem valor a si mesmas como indivíduos e seres sociais. As crianças brancas também podem sofrer com a ausência de livros diversificados porque poderão distorcer o mundo à sua volta. É essencial as crianças aprenderem através da riqueza da cultura. Acrescentaram que os currículos escolares, isto é, as listas de leituras planificadas para os estudantes, não refletem as vidas de todos os estudantes. Consequentemente, os alunos perdem o interesse pela leitura e poderão criar noções erradas acerca da literatura, achando que não há lugares para eles se apenas lerem obras de homens velhos brancos cujo “background” é a cultura europeia e que já faleceram há muitos anos.
 
 
 
Illustration of several children of diverse ethnicities and abilities reading books and playing, with text We Need Diverse Books
Uma das ilustrações disponíveis no site da organização.
Fonte.
 
 
 
Em pleno século XXI, é estranho a maior parte das editoras ainda não lutar por mais diversidade no mundo editorial e, consequentemente, no mundo literário. A literatura não é apenas escrita e lida por pessoas brancas, heterossexuais, com um fundo cultural ocidental. Há todo um leque variado em termos linguísticos, culturais, raciais, étnicos, religiosos, sexuais que merece ser representado nos livros. Vivemos numa época de globalização em que é cada vez mais importante educar as pessoas. A ficção pode ajudar nessa luta e o exemplo disso reside nos livros YA nos EUA. Quer através de histórias contemporâneas realistas, quer através da ficção científica e da ficção fantástica, é possível incluir e dar valor aos indivíduos que não fazem parte da norma branca e masculina cis. O YA é a prova de que a diversidade e a representatividade quebram tabus e que as próprias editoras ganham com isso. Não só há um público sedento por histórias que são reflexos de si próprios e portas para realidades diferentes, como também se vê que as editoras têm o poder de influenciar a sociedade e encaminhá-la para uma via melhor.
 
Termino este terceiro capítulo com um gráfico de 2019 que reflete a diversidade na indústria literária dos EUA. Se lá é assim, só poderemos imaginar como será em Portugal, onde não há dados nem sobre a diversidade nos livros que publicam, nem sobre as pessoas que fazem parte do mundo editorial. Que eu saiba, claro.
 
 
 
Survey Shows "No Discernible" Progress Diversifying Publishing | School  Library Journal
Fonte.
 
 
 
 
 
 
 
 
O que acham deste terceiro capítulo sobre Young Adult?
 
Links dos capítulos anteriores:
 
Primeiro capítulo;
Segundo capítulo.
 
 
 
 
Primeiro, deve-se saber o que é o género. Segundo Vítor Aguiar e Silva, os géneros literários “são constituídos por códigos que resultam da correlação peculiar de códigos fónico-rítmicos, métricos, estilísticos, técnico-compositivos, por um lado, e de códigos semântico-pragmáticos, por outra parte, sob o influxo e o condicionalismo de determinada tradição literária e no âmbito de certas coordenadas socioculturais.” (Aguiar e Silva, 2011: 390). No artigo “The Problematics of Categorizing Young Adult Fiction as Genre”, a autora usa as ideias de Todorov, que diz que os géneros existem como “horizontes de expectativa” para os leitores, mas funcionam como “modelos de escrita” para autores: “As a model of writing, genre can thus guide the writer’s work and dictate some aspects of the end result: and as a horizon of expectation, genre can exert power in the reading process, inviting a reader to extract meanings pertaining to the conventions of the genre.” (Risku, 2017: 9).
 
Graças a estas definições, já se pode ver como YA, na realidade, não é um género. É verdade que um livro, para ser categorizado como YA, deve seguir certos traços e, portanto, corresponder a um padrão determinado por quem estabeleceu a ideia de YA. Por exemplo, nestas histórias, verifica-se que as personagens, na sua maioria, são adolescentes. São contadas pelo ponto de vista de um indivíduo jovem e, muitas vezes, o narrador é omnisciente. O protagonista, devido a diversas circunstâncias, deve enfrentar os seus problemas de forma independente, não contando com a ajuda dos pais ou de outros adultos, que, várias vezes, nem sequer existem ou não estão constantemente presentes. Em termos formais, a escrita, normalmente, é simples, fluída e não muito descritiva, transmitindo uma sensação de rapidez alucinante e a ideia de espírito jovial, ou seja, a ação desenvolve-se rapidamente e parece haver muita adrenalina até ao último parágrafo. 
 
 
12 Essential Nonfiction Graphic Novels for Kids and Teens | School ...
Fonte.

 


Todavia, não se dá muita importância ao veículo da história. Também, quanto à forma, não há nenhum padrão a seguir, isto é, não interessa se a história é contada através do romance, de versos ou de uma peça de teatro. Valoriza-se mais a história e as mensagens que se pretende transmitir. Não se dá especial atenção a traços estilísticos ou a códigos “técnico-compositivos”. A partir das afirmações de Aguiar e Silva, apenas se pode dizer que o YA depende “de certas coordenadas socioculturais”, que são fundamentais para a definição desta categoria. Há todo um leque de problemas socioculturais bem vincados no YA, como o racismo, a xenofobia, a homofobia, etc. Quanto a códigos “semântico-pragmáticos”, será rebuscado mencionar que deve haver uma linguagem própria do adolescente aquando da escrita de um livro YA, mas não se segue nenhuma tradição literária, a não ser quando vemos muitas adaptações de livros clássicos para jovens, como um reconto do Frankenstein ou do Drácula. Mas não é a isto que se refere o estudioso português. De facto, não dá para ver o Young Adult como um género literário. Não há uma teoria estabelecida. Não se segue literalmente um padrão, quer formal, quer em termos de conteúdo. Não se dá importância a regras. O que interessa é que o autor tem uma história para contar e vai contá-la tendo em mente que o seu público é o leitor adolescente.
 
 
Debut Author Elizabeth Acevedo on 'The Poet X'
The Poet X, de Elizabeth Acevedo, é um dos grandes sucessos no mundo dos livros YA em verso.
Fonte.
 
 
Posto isto, o Young Adult, na realidade, remete mais para a idade do leitor. Foi um termo criado por bibliotecárias que perceberam que os adolescentes queriam listas de livros para ler a seguir ou pela primeira vez. Foi, entretanto, desenvolvido pelo mercado editorial e pelas livrarias. Hoje em dia, não é nada mais do que uma resposta à necessidade de organizar os livros conforme as idades dos leitores, sendo também um termo usado pelo departamento de marketing das editoras (para atrair, através desta categorização genérica, os leitores desejados e obter lucro) e pela organização das livrarias (que devem compor as suas estantes em secções com livros semelhantes). O Young Adult mostra, então, o poder e a influência que o mundo editorial tem sobre o estudo da literatura ao ponto de fazer as pessoas analisarem o YA e verem se é mesmo um género ou não.
 
Um outro aspeto que prova que o YA é uma designação baseada nas idades são os temas tratados neste tipo de livros. Como já foi referido, estes livros focam-se principalmente nos desafios vividos pelos adolescentes numa altura de transição (de criança para adulto). Devido a esta dualidade, há outras dualidades que são exploradas, como a vida e a morte, a humanidade e a falta dela, o Eu e o Outro, etc. Quem analisa o YA identificou estes temas como aqueles que caracterizam esta categoria. Todavia, não existirão estes temas também na ficção adulta? Ou até mesmo na ficção infantil, mas tratados de forma mais leve? Ainda na vida adulta, o indivíduo continua a sentir a necessidade de procurar e/ou desenvolver a sua identidade, o que quer dizer que isto não acontece somente na adolescência. Portanto, será suficiente dizer que um livro faz parte do YA só por tratar temas que, na realidade, são recorrentes em toda a literatura? Ou seja, é difícil usar algo tão geral numa categoria tão específica. Estes tópicos não pertencem apenas ao YA e, por isso, ao falar sobre este tipo de livros, não podemos usar a presença desses temas como o fator que classifica um livro como YA. 
 
 
 
A Not-So-Young Audience for Young Adult Books - The New York Times
O público-alvo do YA é o adolescente, mas os mais velhos também podem ler livros YA.
Afinal, esta categoria aborda imensos temas universais.
Fonte.
 
 
Por fim, um dos problemas maiores desta designação é a confusão das idades que servem como limites do YA. As próprias editoras são uma das “culpadas”, criando categorias como “8 aos 12 anos”, “10 aos 14 anos” e “12 para cima”. Realmente, talvez seja melhor existir mais divisões do que apenas a divisão do YA, até porque um adolescente de 12 anos poderá não querer ou conseguir ler um livro que é mais adequado para um adolescente de 17 ou 18 anos, assim como um adolescente de 18 anos não irá querer ler um livro mais adequado para um adolescente de 13 anos. Além disso, fora do mundo editorial, em relação ao estabelecimento de limites de idade para YA, há muitas divergências, havendo quem ache que o YA é para os leitores dos 11 aos 18 anos e outros que acreditam que os limites são dos 12 aos 19 anos, etc. 
 
Concluindo, o Young Adult não pode ser visto como um género literário, pois não cumpre os requisitos requeridos pela teoria literária quanto à existência de géneros literários. É, na realidade, uma categoria útil para separar os livros para adolescentes da ficção infantil e da ficção adulta. Mesmo assim, a categoria apresenta características não muito bem fundamentadas, principalmente no que toca às idades que variam de editora para editora, de escritor para escritor, de leitor para leitor, etc.    
 
 
 
 
Quem segue o meu blogue e as minhas redes sociais sabe que eu leio imensos livrosYoung Adult (ou YA). Por vezes, explico brevemente o que é o Young Adult. No entanto, depois de, no mestrado, ter feito um trabalho sobre esta categoria literária, decidi que seria bom publicar alguns capítulos do trabalho no blogue, sendo o primeiro sobre o "nascimento" e o desenvolvimento do YA.
 
P.S.: Por fazer parte da cronologia da literatura YA, menciono brevemente o famoso feiticeiro, mas faço-o de forma muito rápida e sem grandes nomes. Não apoio a autora e não tenciono falar sobre os seus livros.
 
 
 
4 Major Differences Between Young Adult and Middle Grade Fiction
Fonte.




Sempre houve um mercado editorial focado no público adulto, bem como livros escritos especificamente para crianças. No entanto, foi só a partir da Segunda Guerra Mundial, com os desenvolvimentos nos ramos da Psicologia e da Sociologia, que foi criado todo um universo comercial e consumista para o adolescente. A partir daí, apareceram roupas, filmes, músicas e programas de rádio para a pessoa que não era criança, mas que também ainda não era adulta. 
 
No mundo dos livros, viram que era necessário criar um espaço para o adolescente. Nos EUA, Seventeeth Summer, de Maureen Daly, que foi publicado em 1942, é considerado por muitos o primeiro romance para adolescentes. No entanto, o termo usado para indicar o seu público-alvo, Young Adult, já tinha aparecido muito antes da publicação desse romance. Em 1906, nos EUA, aquando da criação da League of Extraordinary Librarians por parte de Anne Carroll Moore, as bibliotecárias notaram que os adolescentes, cada vez mais, frequentavam as bibliotecas. Posto isto, Mabel Williams e outras colegas decidiram inventar uma nova secção para estes jovens ávidos por livros que fossem adequados para a fase da vida que enfrentavam. Começaram a procurar por livros nas secções infantil e adulta e, em 1929, surgiu a primeira lista anual de NYPL, que era enviada para todas as escolas e bibliotecas americanas. Vendo o sucesso desta nova iniciativa, uma outra bibliotecária de Nova Iorque, Margaret Scoggin, alterou o título da sua rubrica jornalística, “Books for Older Boys and Girls”, para “Books for Young Adults”. A partir daí, esta secção dos adolescentes passou a ser chamada Young Adult. Até aos anos 60 e 70, a designação Young Adult era apenas usada para indicar o público-alvo dos livros que caíam nessa categoria. Foi nos anos 60 que a nomenclatura foi mais longe. Já não estava apenas associada à idade do leitor. Na realidade, qualquer um poderia e pode ler livros Young Adult. A partir dessa década, as personagens adolescentes ganharam uma dimensão de verosimilhança, causando um grande impacto nas vidas dos jovens leitores. Passaram a notar que havia um grande número de livros cujos protagonistas eram adolescentes e eram narrados segundo as perspetivas deles, apresentando temas como a aproximação da idade adulta (coming of age), ritos de passagem e desenvolvimento da identidade. Segundo os autores Jean E. Brown e Elaine C. Stephens, o Young Adult é, deste modo, “a body of literature written for an adolescente audience that is, in turn, about the lives, experiences, aspirations, and problems of young people” (Klinkhamer, 2012: 11). 
 
 
 
Index
Jovens a ler uma lista de livros no "Books for Young People", rubrica de Margaret Scoggin (1938).
Fonte.

 



Nos finais dos anos 60, apareceram livros como The Outsiders, de S.E. Hinton (1967), que, antes, era descrito como um livro adulto, mas, devido à desilusão nas vendas, a editora passou-o para a categoria de Young Adult por ver que os adolescentes eram os que mais compravam o livro. Os anos 70 foram a Idade Dourada do YA, aparecendo livros com temas cada vez mais controversos, como a morte, o sexo, as drogas e o álcool. Nessa década, imperavam os livros que tinham como cenário um mundo contemporâneo e realista. Nos anos 80 e 90, esses temas continuaram a aparecer, mas os autores aventuravam-se noutros géneros sem ser a ficção realista, como o terror (Goosebumps, de R. L. Stine, cujo primeiro livro foi publicado em 1992). 
 
Desde então, e até aos dias de hoje, o Young Adult está a ser transformado por tópicos e temas que, por estarem relacionados com a vida do adolescente, eram vistos como imbecis. Por isso mesmo, os livros YA são vistos como “literatura de baixo nível” ou “leitura de praia” (Mitra, 2018: 5). Não é por acaso que, ainda nos anos 90 e inícios do século XXI, esta categoria literária tenha passado por tempos sombrios. Nessa altura, devido às opiniões negativas que o público geral tinha do YA, os autores começaram a apostar menos nos livros cujos protagonistas eram adolescentes. Contudo, o cenário melhorou após a publicação de um livro sobre um feiticeiro com uma cicatriz na testa. Ao longo da coleção, o feiticeiro cresce, passando de criança para jovem-adulto. Já os últimos livros podem mesmo ser considerados YA. Além disso, o público não era apenas um grupo de crianças sonhadoras. Os adultos também passaram a fazer parte desse público. Perante esta mudança de paradigma, e ao verem o sucesso das adaptações cinematográficas desta coleção de Fantasia nas bilheteiras, as editoras passaram a procurar pelo próximo grande fenómeno. Como resultado dessa procura, passaram a surgir géneros prediletos no YA. Twilight, de Stephanie Meyer, foi uma enorme conquista para o romance paranormal, aparecendo muitos outros, como Fallen e Hush, Hush. A trilogia Os Jogos da Fome, de Suzanne Collins, mostrou que também se pode escrever livros distópicos para os mais jovens. Apareceu, depois, por exemplo, a trilogia Divergente. Começou, assim, a Segunda Idade Dourada do YA. 
 
 
 
The Hunger Games: Mockingjay – Part 2 – Wikipédia, a enciclopédia livre
Os Jogos da Fome eram tão amados que acabaram por ser adaptados para o grande ecrã. Os filmes, tal como os livros, foram um grande sucesso.
Jennifer Lawrence como Katniss Everdeen em The Hunger Games: Mockingjay Parte 2.
Fonte.



Na segunda década do século XXI, livros paranormais e distópicos ainda são publicados, só que, agora, têm uma forte carga social. Os autores, nesta era de globalização e de surgimento de problemas e preocupações sociais, cada vez mais mostram o mundo como ele realmente é, ou usam os livros como metáforas e exemplos. Os livros YA podem desafiar os jovens a pensar de forma diferente acerca do mundo que os rodeia, podendo mesmo moldar toda uma geração. Um grande exemplo disso é O Ódio que Semeias, de Angie Thomas, inspirado no movimento social americano Black Lives Matter. Cada vez mais há uma preocupação em falar sobre pessoas e culturas marginalizadas e a literatura pode ser uma grande plataforma para as minorias, se bem que, ainda hoje, predominam, nas editoras e no cânone, autores brancos. Por acreditarem na possibilidade da mudança e na juventude, muitos autores que querem falar sobre o racismo, a xenofobia, a igualdade de género, etc., recorrem ao YA. Estes temas e preocupações não são apenas retratados em romances. Há romances versificados e romances gráficos que, devido a um público talvez cansado dos cânones ou que os teme, prefere outros formatos de escrita. Acrescenta-se, ainda, o papel dos ebooks e audiobooks nesta época digital em que os jovens procuram por mais meios pelos quais se podem envolver de forma criativa na história. 
 
 
 
Wook.pt - O Ódio que Semeias
O Ódio que Semeias é um dos grandes fenómenos do mundo YA dos últimos anos.
Fonte.



Resumindo, o Young Adult surgiu numa altura em que a indústria editorial e todos os elementos ligados a ela (bibliotecas e livrarias) viram que era necessário preencher o vazio que os jovens leitores sentiam sempre que não sabiam o que poderiam ler. É quase um espaço repleto de mundos diferentes, quer realistas, quer fantásticos, onde o jovem pode tentar compreender-se a si mesmo e ao mundo à sua volta. Infelizmente, tem uma conotação negativa porque, tal como na vida real, os adolescentes fictícios são vistos como irracionais e ridículos. Além disso, os livros YA são considerados livros de fraca qualidade por serem escritos especificamente (mas não apenas) para os mais jovens. No entanto, são tão importantes quanto a “literatura séria” e, na realidade, têm muita qualidade. Na atualidade, os livros YA tendem a não obedecer aos cânones literários, pois é preferível criar uma história real com a qual o adolescente possa criar uma ligação. As regras formais do cânone não são extremamente valiosas. O que interessa é que o leitor sinta as emoções presentes no livro e consiga ver-se refletido nas personagens e na história. 


 
 
Bibliografia (geral):
 
 
AGUIAR E SILVA, Vítor (2011), Teoria da Literatura, oitava edição (19.ª reimpressão), volume I, Coimbra, Edições Almedina. SA,; 
 
BISHOP, Rudine Sims, “Mirrors, Windows, and Sliding Glass Doors”, in Perspectives: Choosing and Using Books for the Classroom, volume VI, n.º3, Christopher-Gordon Pub., 1990; 
 
BLOCKEEL, Francesca, “Mudanças na narrativa juvenil portuguesa depois de 1974” in Revista do CESP – v. 26, n. 35 – jan.-jun. 2006; 
 
ELLIS, Lindsay, Meelhan, Angelina, (2018), “The Evolution of YA: Young Adult Fiction, Explained (Feat. Lindsay Ellis) | It's Lit!”, disponível em: . Acesso em: 22 de março de 2019; 
 
Epic Reads, (2015), “Epic Reads Explain: A Brief History of YA”, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SkdnKQmHsWA&feature=youtu.be. Acesso em: 22 de março de 2019; 
 
MATSUDA, Alice Atsuko. “A literatura infantil e juvenil contemporânea: Estudo dos livros digitais propostos em Portugal no PNL”. R. Letras, Curitiba, v. 20, n. 30 p. 17-39, set. 2018. Disponível em: https://periodicos.utfpr.edu.br/rl; 
 
MITRA, Reena “In Pursuit of Young Adult Fiction”, in Young Adult Fiction: Issues and Trends, editado por Sunita Sinha, Atlantic Publishers & Distributors (P) LTD, Nova Deli, 2018; 
 
KLINKHAMER, Antonella (2012), “Young Adult Literature on the Rise? The possibilities of Young Adult Literature for Dutch teachers of English literature, and its Present-Day Usage” (dissertação de mestrado), Universidade de Utrecht, Utrecht, Holanda; 
 
RISKU, Johanna (2017), ““We Are All Adolescents Now”: The Problematics of Categorizing Young Adult Fiction as a Genre” (dissertação de mestrado), Faculdade de de Ciências de Comunicação da Universidade de Tampere, Tampere, Finlândia. Recuperado de https://tampub.uta.fi/bitstream/handle/10024/101928/GRADU1504520036.pdf?sequence=1; 
 
TOMÉ, Maria da Conceição Dinis Alves Ferreira (2013) “O Outro na Literatura Juvenil Portuguesa do Novo Milénio: Vozes, Silêncios e (Con)Figurações” (Tese de doutoramento). Departamento de Humanidades da Universidade Aberta, Lisboa. Recuperado de https://repositorioaberto.uab.pt/bitstream/10400.2/3469/1/TD_MariaConceiçãoTomé.pd f; 
 
We Need Diverse Books, weneeddiversebooks.org [On-line]. Recuperado de https://diversebooks.org;
 
 
 
O que acharam desta publicação?
 
 
 
 
https://1.bp.blogspot.com/-D-77c5hzZvU/YDHAHQVAMuI/AAAAAAAAID0/Y7Fd5REYTkg81SlWI6wvnurPdkT7x04TgCPcBGAYYCw/s400/Daniela%2BS.%2B%25283%2529.png