Quem segue o meu blogue e as minhas redes sociais sabe que eu leio imensos livrosYoung Adult (ou YA). Por vezes, explico brevemente o que é o Young Adult. No entanto, depois de, no mestrado, ter feito um trabalho sobre esta categoria literária, decidi que seria bom publicar alguns capítulos do trabalho no blogue, sendo o primeiro sobre o "nascimento" e o desenvolvimento do YA.
P.S.: Por fazer parte da cronologia da literatura YA, menciono brevemente o famoso feiticeiro, mas faço-o de forma muito rápida e sem grandes nomes. Não apoio a autora e não tenciono falar sobre os seus livros.
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Sempre houve um mercado editorial focado no público adulto, bem como livros escritos especificamente para crianças. No entanto, foi só a partir da Segunda Guerra Mundial, com os desenvolvimentos nos ramos da Psicologia e da Sociologia, que foi criado todo um universo comercial e consumista para o adolescente. A partir daí, apareceram roupas, filmes, músicas e programas de rádio para a pessoa que não era criança, mas que também ainda não era adulta.
No mundo dos livros, viram que era necessário criar um espaço para o adolescente. Nos EUA, Seventeeth Summer, de Maureen Daly, que foi publicado em 1942, é considerado por muitos o primeiro romance para adolescentes. No entanto, o termo usado para indicar o seu público-alvo, Young Adult, já tinha aparecido muito antes da publicação desse romance. Em 1906, nos EUA, aquando da criação da League of Extraordinary Librarians por parte de Anne Carroll Moore, as bibliotecárias notaram que os adolescentes, cada vez mais, frequentavam as bibliotecas. Posto isto, Mabel Williams e outras colegas decidiram inventar uma nova secção para estes jovens ávidos por livros que fossem adequados para a fase da vida que enfrentavam. Começaram a procurar por livros nas secções infantil e adulta e, em 1929, surgiu a primeira lista anual de NYPL, que era enviada para todas as escolas e bibliotecas americanas. Vendo o sucesso desta nova iniciativa, uma outra bibliotecária de Nova Iorque, Margaret Scoggin, alterou o título da sua rubrica jornalística, “Books for Older Boys and Girls”, para “Books for Young Adults”. A partir daí, esta secção dos adolescentes passou a ser chamada Young Adult. Até aos anos 60 e 70, a designação Young Adult era apenas usada para indicar o público-alvo dos livros que caíam nessa categoria. Foi nos anos 60 que a nomenclatura foi mais longe. Já não estava apenas associada à idade do leitor. Na realidade, qualquer um poderia e pode ler livros Young Adult. A partir dessa década, as personagens adolescentes ganharam uma dimensão de verosimilhança, causando um grande impacto nas vidas dos jovens leitores. Passaram a notar que havia um grande número de livros cujos protagonistas eram adolescentes e eram narrados segundo as perspetivas deles, apresentando temas como a aproximação da idade adulta (coming of age), ritos de passagem e desenvolvimento da identidade. Segundo os autores Jean E. Brown e Elaine C. Stephens, o Young Adult é, deste modo, “a body of literature written for an adolescente audience that is, in turn, about the lives, experiences, aspirations, and problems of young people” (Klinkhamer, 2012: 11).
Jovens a ler uma lista de livros no "Books for Young People", rubrica de Margaret Scoggin (1938). Fonte. |
Nos finais dos anos 60, apareceram livros como The Outsiders, de S.E. Hinton (1967), que, antes, era descrito como um livro adulto, mas, devido à desilusão nas vendas, a editora passou-o para a categoria de Young Adult por ver que os adolescentes eram os que mais compravam o livro. Os anos 70 foram a Idade Dourada do YA, aparecendo livros com temas cada vez mais controversos, como a morte, o sexo, as drogas e o álcool. Nessa década, imperavam os livros que tinham como cenário um mundo contemporâneo e realista. Nos anos 80 e 90, esses temas continuaram a aparecer, mas os autores aventuravam-se noutros géneros sem ser a ficção realista, como o terror (Goosebumps, de R. L. Stine, cujo primeiro livro foi publicado em 1992).
Desde então, e até aos dias de hoje, o Young Adult está a ser transformado por tópicos e temas que, por estarem relacionados com a vida do adolescente, eram vistos como imbecis. Por isso mesmo, os livros YA são vistos como “literatura de baixo nível” ou “leitura de praia” (Mitra, 2018: 5). Não é por acaso que, ainda nos anos 90 e inícios do século XXI, esta categoria literária tenha passado por tempos sombrios. Nessa altura, devido às opiniões negativas que o público geral tinha do YA, os autores começaram a apostar menos nos livros cujos protagonistas eram adolescentes. Contudo, o cenário melhorou após a publicação de um livro sobre um feiticeiro com uma cicatriz na testa. Ao longo da coleção, o feiticeiro cresce, passando de criança para jovem-adulto. Já os últimos livros podem mesmo ser considerados YA. Além disso, o público não era apenas um grupo de crianças sonhadoras. Os adultos também passaram a fazer parte desse público. Perante esta mudança de paradigma, e ao verem o sucesso das adaptações cinematográficas desta coleção de Fantasia nas bilheteiras, as editoras passaram a procurar pelo próximo grande fenómeno. Como resultado dessa procura, passaram a surgir géneros prediletos no YA. Twilight, de Stephanie Meyer, foi uma enorme conquista para o romance paranormal, aparecendo muitos outros, como Fallen e Hush, Hush. A trilogia Os Jogos da Fome, de Suzanne Collins, mostrou que também se pode escrever livros distópicos para os mais jovens. Apareceu, depois, por exemplo, a trilogia Divergente. Começou, assim, a Segunda Idade Dourada do YA.
Os Jogos da Fome eram tão amados que acabaram por ser adaptados para o grande ecrã. Os filmes, tal como os livros, foram um grande sucesso. Jennifer Lawrence como Katniss Everdeen em The Hunger Games: Mockingjay Parte 2. Fonte. |
Na segunda década do século XXI, livros paranormais e distópicos ainda são publicados, só que, agora, têm uma forte carga social. Os autores, nesta era de globalização e de surgimento de problemas e preocupações sociais, cada vez mais mostram o mundo como ele realmente é, ou usam os livros como metáforas e exemplos. Os livros YA podem desafiar os jovens a pensar de forma diferente acerca do mundo que os rodeia, podendo mesmo moldar toda uma geração. Um grande exemplo disso é O Ódio que Semeias, de Angie Thomas, inspirado no movimento social americano Black Lives Matter. Cada vez mais há uma preocupação em falar sobre pessoas e culturas marginalizadas e a literatura pode ser uma grande plataforma para as minorias, se bem que, ainda hoje, predominam, nas editoras e no cânone, autores brancos. Por acreditarem na possibilidade da mudança e na juventude, muitos autores que querem falar sobre o racismo, a xenofobia, a igualdade de género, etc., recorrem ao YA. Estes temas e preocupações não são apenas retratados em romances. Há romances versificados e romances gráficos que, devido a um público talvez cansado dos cânones ou que os teme, prefere outros formatos de escrita. Acrescenta-se, ainda, o papel dos ebooks e audiobooks nesta época digital em que os jovens procuram por mais meios pelos quais se podem envolver de forma criativa na história.
O Ódio que Semeias é um dos grandes fenómenos do mundo YA dos últimos anos. Fonte. |
Resumindo, o Young Adult surgiu numa altura em que a indústria editorial e todos os elementos ligados a ela (bibliotecas e livrarias) viram que era necessário preencher o vazio que os jovens leitores sentiam sempre que não sabiam o que poderiam ler. É quase um espaço repleto de mundos diferentes, quer realistas, quer fantásticos, onde o jovem pode tentar compreender-se a si mesmo e ao mundo à sua volta. Infelizmente, tem uma conotação negativa porque, tal como na vida real, os adolescentes fictícios são vistos como irracionais e ridículos. Além disso, os livros YA são considerados livros de fraca qualidade por serem escritos especificamente (mas não apenas) para os mais jovens. No entanto, são tão importantes quanto a “literatura séria” e, na realidade, têm muita qualidade. Na atualidade, os livros YA tendem a não obedecer aos cânones literários, pois é preferível criar uma história real com a qual o adolescente possa criar uma ligação. As regras formais do cânone não são extremamente valiosas. O que interessa é que o leitor sinta as emoções presentes no livro e consiga ver-se refletido nas personagens e na história.
Bibliografia (geral):
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BLOCKEEL, Francesca, “Mudanças na narrativa juvenil portuguesa depois de 1974” in Revista do CESP – v. 26, n. 35 – jan.-jun. 2006;
ELLIS, Lindsay, Meelhan, Angelina, (2018), “The Evolution of YA: Young Adult Fiction, Explained (Feat. Lindsay Ellis) | It's Lit!”, disponível em: . Acesso em: 22 de março de 2019;
Epic Reads, (2015), “Epic Reads Explain: A Brief History of YA”, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SkdnKQmHsWA&feature=youtu.be. Acesso em: 22 de março de 2019;
MATSUDA, Alice Atsuko. “A literatura infantil e juvenil contemporânea: Estudo dos livros digitais propostos em Portugal no PNL”. R. Letras, Curitiba, v. 20, n. 30 p. 17-39, set. 2018. Disponível em: https://periodicos.utfpr.edu.br/rl;
MITRA, Reena “In Pursuit of Young Adult Fiction”, in Young Adult Fiction: Issues and Trends, editado por Sunita Sinha, Atlantic Publishers & Distributors (P) LTD, Nova Deli, 2018;
KLINKHAMER, Antonella (2012), “Young Adult Literature on the Rise? The possibilities of Young Adult Literature for Dutch teachers of English literature, and its Present-Day Usage” (dissertação de mestrado), Universidade de Utrecht, Utrecht, Holanda;
RISKU, Johanna (2017), ““We Are All Adolescents Now”: The Problematics of Categorizing Young Adult Fiction as a Genre” (dissertação de mestrado), Faculdade de de Ciências de Comunicação da Universidade de Tampere, Tampere, Finlândia. Recuperado de https://tampub.uta.fi/bitstream/handle/10024/101928/GRADU1504520036.pdf?sequence=1;
TOMÉ, Maria da Conceição Dinis Alves Ferreira (2013) “O Outro na Literatura Juvenil Portuguesa do Novo Milénio: Vozes, Silêncios e (Con)Figurações” (Tese de doutoramento). Departamento de Humanidades da Universidade Aberta, Lisboa. Recuperado de https://repositorioaberto.uab.pt/bitstream/10400.2/3469/1/TD_MariaConceiçãoTomé.pd f;
We Need Diverse Books, weneeddiversebooks.org [On-line]. Recuperado de https://diversebooks.org;
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