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A Biblioteca da Daniela

A Biblioteca da Daniela

Os EUA têm o Young Adult para se referirem aos livros para adolescentes. Em Portugal, o conceito é outro e tem objetivos diferentes. Fala-se, então, de Literatura Juvenil.

A Literatura Juvenil em Portugal desenvolveu-se após a Revolução dos Cravos, adaptando-se ao que já acontecia na restante Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Os escritores portugueses, tal como escritores de vários países europeus, passaram a escrever sobre o multiculturalismo e o respeito para lutar contra o preconceito e o ódio que causaram a Segunda Guerra Mundial. No entanto, ainda nos anos 70, acreditava-se que, para os jovens, bastava a leitura dos clássicos, como Alexandre Herculano e Fernão Lopes, até porque as suas obras continham não só aventuras, mas também lições históricas.

Nos anos 80, a literatura juvenil ganhou forças e começaram a surgir, principalmente, narrativas realistas, as que não continham qualquer tipo de elementos sobrenaturais ou mágicos. Escritores exemplares deste tipo de narrativas são Alice Vieira, que, em 1979, publicou Rosa, minha irmã Rosa, um grande sucesso de vendas, e António Mota. Associada a estas histórias focadas num cenário realista, há a "formula fiction". Esta expressão “abrange as narrativas que seguem um padrão repetitivo, ditado por uma moda, como por exemplo os relatos de aventuras, mistérios ou namoros, entre os quais as aventuras são a forma mais popular” (Blockeel, 2006: 148-149). Os jovens adoram “formula fiction” por se sentirem seguros ao lerem estes livros. Não há surpresas, não há desapontamentos. Sabem que a história segue um determinado padrão e é previsível, na medida em que já sabem que estão a ler algo do seu agrado. Contudo, há o problema de o leitor não ser “forçado” a usar o seu pensamento crítico e tirar conclusões críticas e morais a partir de histórias que parecem semelhantes de livro para livro. Uma das coleções portuguesas que ilustra isso é a da dupla Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, Uma Aventura. Os leitores, em todos os livros, esperam seguir as aventuras de um grupo de amigos que adora desvendar mistérios e experiencia os típicos obstáculos da adolescência. Esta coleção é muito recomendada aos mais jovens também por conter várias informações históricas e dados sobre Portugal. São livros escritos por professoras de Língua Portuguesa e de História e, quando os pais sabem disso, não hesitam em comprar estes livros para os filhos.

 

Uma Aventura (TV Series 2000–2007) - IMDbAté os canais televisivos nacionais costumavam estar atentos aos sucessos literários juvenis. A coleção Uma Aventura foi adaptada como série pela SIC, tendo durado sete anos (2000-2007).
Fonte da imagem.

 

Seguindo o ramo realista, nos anos 90, as editoras começam a publicar "chick lit", livros praticamente escritos para raparigas e que se concentram em temas considerados femininos, como namoros, compras, a beleza física, entre outros. Estes livros são vistos de forma negativa por terem maus ensinamentos para as raparigas, como a competição quase animalesca entre duas raparigas por causa de um rapaz, a dependência que a rapariga sente por um rapaz e a ideia de que o “final feliz” só é possível se a rapariga, no final, se casar com o “homem ideal”. É muito criticado por feministas e perpetua a ideia de que a felicidade da mulher reside apenas em encontrar o “príncipe perfeito”. Além disso, no "chick lit", é muito comum as protagonistas não serem dependentes, não terem capacidade de pensar para além da relação e de darem muita importância à inveja, à mesquinhez e à vingança. São vistos como um retrocesso nas lutas feministas.

Depois do aparecimento de tantos livros realistas, o público jovem português passou a ansiar por livros de caráter fantástico. O sucesso de coleções de Fantasia estrangeiras deram origem a livros portugueses sobre vampiros, livros fantásticos inspirados na Idade Média, mitos, mistérios, magia, etc. Também começaram a escrever livros de Ficção Científica, principalmente com cenários como o espaço, outros planetas e mundos paralelos. Autores portugueses como Luísa Fontes da Cunha (As Aventuras de Teodora) perceberam que a Fantasia era um bom meio de explorar os processos de amadurecimento das personagens através de aventuras e perigos proporcionados por cenários fantásticos, bem como a dualidade do Bem e do Mal.

 

Após uma breve explicação do que é a literatura juvenil portuguesa, pode-se dizer que há semelhanças quanto ao YA. Por exemplo, também em Portugal, a literatura juvenil “[…] é vista pela academia como “menor” ou “inferior” à produzida para adultos. Isso, devido há anos, ser associada à ideia de ensino, atrelada ao pedagógico e ao utilitário, comprometendo a uma produção de qualidade” (Matsuda, 2018: 19). O YA e a literatura juvenil partilham as mesmas responsabilidades, como educar os jovens em relação ao respeito pela diferença, fazer com que o jovem perceba que é um indivíduo que faz parte da sociedade e fazê-lo ver como a literatura tem benefícios. Nos dois países, acredita-se que a literatura para os mais jovens é capaz de desenvolver o pensamento crítico do público-alvo e de os ajudar a tornarem-se nos adultos do amanhã, capazes de serem melhores do que os adultos de hoje. Um outro aspeto em comum é a criação de chancelas ou de listas focadas na literatura para jovens adultos. Nos EUA, há chancelas como TorTeen (Macmillan), Hot Key Books (Bonnier Publishing) e Littel, Brown and Company Teen (Hatchett Book Group). Em Portugal, nos sites das editoras, já aparece, nas listas, a nomenclatura Young Adult. Também temos o caso da Topseller#Bliss, por exemplo. Não sendo uma chancela, é uma lista especial feita pela Topseller, que é a chancela da 20|20 Editora. Todos os livros YA que publicam, em vez de terem o símbolo da chancela, têm o símbolo da Topseller#Bliss, como se pode ver nas capas dos livros. Também todos os livros têm um texto inicial que explica o propósito desse título. Têm frases como “Topseller#Bliss é para ti, porque és jovem, irreverente, apaixonado e apaixonante!”. A Topseller também tem um grande contacto com leitores jovens através das redes sociais (principalmente no Instagram). Recentemente, a Cultura Editora anunciou a criação de uma nova chancela, a Desrotina Editora. Perante as sugestões de imensos jovens leitores portugueses relativamente a mudanças necessárias dentro do mercado editorial português quanto à representatividade e diversidade, a editora criou uma chancela que irá focar-se na literatura YA e NA (New Adult). A chancela já está a mostrar o que pretende fazer e como pretende fazer. Há uns dias, divulgou o título da primeira obra do seu catálogo, Ace of Spades. Essa divulgação foi feita tendo como base uma grande estratégia de marketing que já fez os leitores acreditarem no potencial desta nova chancela. Isto prova que, aos poucos, o mercado editorial português está a seguir a pisadas dos EUA, bem como os desejos do seu próprio público.

 

Nenhuma descrição de foto disponível.Logótipo da nova chancela da Cultura Editora, Desrotina Editora.
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No entanto, há mais diferenças do que semelhanças. A literatura juvenil não tem limites de idade tão definidos como o YA. Apesar de o YA também ter problemas nesse sentido, em Portugal, mistura-se erradamente a literatura juvenil com a literatura infantil, levando ao termo “literatura infantojuvenil”. Os EUA têm uma palavra para designar esse tipo de livros, isto é, para as crianças quase a chegar à fase da adolescência, que é o "Middle Grade" (MG), livros escritos para os estudantes do 5.º ao 6.º ou 7.º ano escolar. Pensa-se que essa união que é feita em Portugal leva a um preconceito quanto aos livros escritos para os adolescentes. Uma outra diferença é o modo como veem quem não corresponde ao padrão branco, cis, heterossexual, etc.. Em Portugal, as pessoas que não são O padrão aparecem como personagens que, muitas vezes, existem apenas para darem lições de moral ou partilhar informações acerca de culturas e povos diferentes. Fala-se muito na existência positiva de personagens diferentes relativamente à raça, à cor da pele, à condição física e/ou mental, entre outras características diferenciais. No entanto, elas quase não têm personalidades propriamente ditas e não são tão desenvolvidas como as personagens principais, que, quase sempre, são brancas e de nacionalidade portuguesa. Já nos EUA, a personagem negra já não serve apenas como personagem secundária que ajuda o amigo branco, podendo também ser o protagonista. A pessoa muçulmana já não aparece tanto como o terrorista. A pessoa asiática deixa de ser considerada “exótica”, se bem que este adjetivo ainda aparece muitas vezes associado à Ásia. Além disso, em Portugal, quando os livros juvenis são sobre a História portuguesa, não se fala muito acerca das consequências negativas das ações dos portugueses noutros países, falando-se apenas dos momentos gloriosos. Já nos EUA, artistas marginalizados usam a literatura para falarem das suas experiências como pessoas oprimidas, não só na atualidade, mas também em séculos anteriores, e não suavizam as ações dos seus opressores. Também mostram que, mesmo sendo oprimidos, tiveram momentos notáveis.

 

 

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Em suma, a literatura juvenil portuguesa teve um percurso muito parecido com o Young Adult americano. Ambas as categorias visam educar o jovem e fazê-lo sentir-se refletido na literatura. No entanto, há muitas diferenças mesmo quanto aos objetivos que partilham e, de certo modo, elas fazem com que o público português prefira consumir os livros YA estrangeiros e não tanto os livros juvenis portugueses. O investimento em livros YA dos EUA por parte das editoras portuguesas deveria ser uma luz verde para as editoras fazerem o mesmo com os autores portugueses que escrevem para os jovens adultos. Está na altura de Portugal começar a apostar mais no que é seu e levar a literatura juvenil para um patamar mais semelhante ao do YA.

 

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Segundo capítulo;
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